NOTAS SOBRE APRIMORAMENTO TÉCNICO NO REMO
Ricardo Diefenthaeler (Gari)
O
remo é a forma mais eficaz de deslocamento na água usando apenas o corpo como
elemento propulsor. A longa história do remo como esporte mostra uma incessante
busca de obter maiores velocidades de deslocamento com menor esforço, seja
através do uso de novos materiais, formatos de barcos e remos mais eficientes,
novas formas de preparação física ou ainda novas técnicas.
É
muito comum vermos em nossos clubes de remo, atletas empregando o máximo do seu
esforço no aprimoramento físico e dirigentes empenhados em
dispor do material mais moderno, enquanto o aspecto técnico é relegado a
um plano secundário. O resultado pode ser muitas vezes termos remadores bem
preparados do ponto de vista físico, remando com grande aplicação de energia em
barcos velozes, mas de forma deficiente tecnicamente. Ou seja, são eficientes
(remam com força e em alto ritmo), mas não eficazes (não obtém o deslocamento
mais veloz do barco).
A
literatura sobre o remo, outrora escassa e pouco acessível, começa a se tornar
mais corrente, sobretudo nos EUA e na Inglaterra, permitindo aos que não são
técnicos de remo mas que tem algum
conhecimento prático tenham acesso a informações técnicas e de treinamento.
Buscando consolidar informações colhidas em um conjunto pequeno mas abrangente
de publicações, tomei algumas notas para uso pessoal e, percebendo
que poderiam ser úteis a outros remadores e aficionados ao remo, as organizei
no material que se segue.
1. IMPORTÂNCIA E BASES DA BOA TÉCNICA
As
regatas são vencidas incrementalmente,
uma remada por vez. A vitória resulta de uma soma de "pequenos efeitos".
Numa prova de 2.000 m em um 8+, uma guarnição executa aproximadamente 200
remadas. Assim, em cada remada o barco avança 10 m. Supondo que uma guarnição
reme apenas 1% melhor que as adversários, em cada
remada avançará 5 cm a mais do que as outras, o que
resultará em uma vantagem final de 10 metros.
Somente
quando vemos um remador remando com alta técnica é que o movimento da remada
pode parecer fácil. Na verdade, a remada se constitui de uma seqüência de
movimentos complexos que devem ser cuidadosamente orquestrados.
O
segredo de uma boa técnica pode ser resumido em duas palavras: CONCENTRAÇÃO e
RELAXAMENTO.
A
remada de qualidade é atingida quando a energia do remador é usada de forma
eficiente e o barco trabalha a favor do deslocamento. O barco é muito mais
eficiente quando se desloca na linha d'água para a
qual foi projetado, com o menor movimento de inclinação possível. Para atingir
este estado, é preciso remar conectado e remar silenciosamente:
2. O CICLO DA REMADA
A
remada é um ciclo, no qual não deve haver rupturas de movimento que permitam
dizer que uma sub-parte iniciou ou terminou. O objetivo é fazer um movimento
homogêneo e contínuo que leve de uma ponto
a outro e de uma remada a outra, de forma absolutamente integrada, ou, para
referir um termo já utilizado, de forma "conectada".
Entretanto,
para fins de explanação, podemos dividir a remada em fases e analisar os
aspectos de cada fase separadamente, quais sejam: pegada (ou entrada da pá),
puxada (ou fase propulsiva),
final (ou extração da pá) e recuperação.
2.1 PEGADA OU ENTRADA DA PÁ (catch)
A
pegada é a parte do ciclo da
remada na qual a pá entra na água.
Na
pegada o barco encontra-se no estado mais lento de deslocamento e na situação
mais precária em termos de equilíbrio. É nesse ponto que a musculatura mais
potente, das pernas, é usada para movimentar o barco mais uma vez. O objetivo a
perseguir na pegada é garantir que o barco não perca velocidade quando a
direção do movimento é invertida.
Uma
boa pegada é talvez a parte mais difícil para uma remada eficaz. A pegada
perfeita é parte movimento, parte temporização (timing);
parte trabalho de corpo parte trabalho de pá:
2.2 PUXADA OU FASE PROPULSIVA (drive)
Parte
do ciclo da remada no qual o remador aplica força ao remo, primeiro através das
pernas, seguidas pelo tronco e, finalmente, pelos braços.
Esta
fase deve ser iniciada por uma forte aceleração da musculatura da perna. As
costas e a musculatura abdominal devem estar "apoiadas" para suportar
a ligação que se forma entre as pás e as pernas. Se este apoio for frágil, o
remador vai "escapar o carrinho", com grande perda na propulsão do
barco. À medida que as pernas são empurradas, os ombros começam a acelerar em
direção à proa. Quando os ombros começam a atingir o final, os braços entram no
movimento e puxam com intensidade os remos em direção ao corpo, buscando manter
a aceleração das pás para o final. Deve-se chamar a atenção para o fato de que
no remo de ponta, o braço e ombro de fora, dão a máxima alavanca à pá e o seu
trabalho deve ser enfatizado. No final da puxada, o corpo deve estar em uma
posição relaxada mas reta, levemente inclinada para trás. No remo de ponta, o ombro de fora, da mesma forma que na
pegada, deve estar ligeiramente mais alto que o de dentro e, deve-se cuidar
para que o braço de fora não abra, se distanciando demasiadamente do corpo.
Diferentemente
do remo de ponta, em que a seqüência da remada é pernas-costas-braços, no remo duplo a seqüência é pernas-costas-ombros-braços. Tão
logo as pernas iniciam seu movimento, o corpo deve começar a se "abrir
para trás", usando intensamente a musculatura dos ombros para, então, usar
os braços. Observe-se que a mão esquerda passa ligeiramente por cima e depois
da direita e que a pedaleira
deve ser ajustada de forma que os remos não passem do corpo no final.
Observações
importantes:
2.3 FINAL OU EXTRAÇÃO DA PÁ (finish
ou release)
No
remo de ponta, a extração da pá é feita pela mão de fora, com um movimento
rápido para baixo até que a pá saia da água. O cabo do remo nunca deve tocar o
corpo, porque isto causaria uma ruptura no fluxo da remada. Com a pá fora da
água, a mão de fora empurra o cabo afastando-o do corpo e a mão de dentro vira
o cabo, colocando a pá na horizontal (a mão de dentro faz o molinete). É
importante que a pá esteja fora da água antes que o molinete seja feito, caso
contrário o remo pode ficar "preso" e o equilíbrio do barco pode ser
perturbado. O movimento de afastamento do cabo para longe do corpo, ao
contrário do que muitos pensam,
deve ser feito na mesma velocidade da puxada. Movimentos mais rápidos irão
apenas travar o barco. A aceleração é feita durante a puxada, do início para o
final e não depois que a pá já saiu da água.
As
mesmas considerações valem para o remo duplo. Observe-se, no entanto, que o
molinete no remo duplo é feito através da rolagem dos cabos dos remos, usando o
polegar e os demais dedo, da
base da mão para os dedos.
Observações
importantes:
2.4 RECUPERAÇÃO (recovery)
Parte
do ciclo da remada que vai do afastamento até o ponto em que o remo está prestes a entrar na água. É o que
chamamos de "ida à proa". Nesta fase são cumpridas duas funções
importantes: o deslocamento até a proa e a recuperação (relaxamento) do
remador.
A
tradicional seqüência de mãos-corpo-carrinho continua válida até hoje. Os
braços devem ser afastados do corpo até estarem
totalmente estendidos, o corpo deve ser projetado dos quadris até
atingir a correta posição para a pegada e só então deve se iniciar a flexão dos
joelhos e o movimento do carrinho nos trilhos. É imperativo que as mãos tenham
passado os joelhos para que inicie o movimento do carrinho.
À
medida que o corpo se projeta para a frente a partir
dos quadris, o peso é transferido para os dedos dos pés. Este é um dos mais
importantes aspectos de todo o movimento da remada, particularmente em barcos
compostos. Falhas de sincronia entre os remadores na transferência de peso para
a ré desaceleram o barco. Por isso, todos remadores devem iniciar o movimento
de carrinho ao mesmo tempo, o que parece óbvio mas na
prática muitas vezes não acontece.
A
velocidade do carrinho em direção à proa deve ser controlada e, mais uma vez,
proporcional à velocidade de deslocamento do barco. É importante que à medida
que o remador se aproxima da proa vá se preparando para mudar rapidamente de
direção. Se o remador "correr de carro", além de impor uma
desaceleração pelo movimento desproporcional à velocidade do barco, chegará à
proa sem estar preparado para bem executar a pegada.
Observe-se
que no remo duplo a mão esquerda vai ligeiramente adiante da direita na
recuperação.
3. EXERCÍCIOS DE APRIMORAMENTO TÉCNICO
Embora
muitos atletas vejam os exercícios técnicos apenas como uma aborrecedora
preparação para o trabalho físico nos treinamentos em água, eles são uma
importante ferramenta no desenvolvimento de uma boa técnica. Eles exigem uma
boa dose de paciência e perseverança mas a recompensa é uma técnica mais
aprimorada, o que significa guarnições mais rápidas.
Uma
observação importante é que os exercícios não devem ser feitos apenas como
forma de aquecimento. Para bons resultados, devem ser feitos com os remadores
já aquecidos. Podem (e devem) ser feitos também quando se rema na pressão
máxima e até em piques.
3.1 PARADA:
visa identificar e corrigir erros pontuais na remada. Bastante interessante
para iniciantes.
3.2 PARADA NO FINAL: variação do exercício anterior, direcionada em especial ao
aprimoramento da temporização
(timing) da ida à proa, entrada das pás na água e conexão durante a puxada.
Particularmente importante em barcos compostos, para uniformizar os movimentos
da guarnição, sobretudo a transferência de peso da proa para a ré após o
afastamento.
3.3 AFASTAMENTO RÁPIDO: visa incorporar o afastamento rápido à remada. Pode ser
feito em todos os treinos (por uns 5 min).
3.4 REMAR SEM MOLINETE: visa melhorar o arredondamento de pá no afastamento e
garantir que a pá está saindo da água em pé. Pode ser feito em todos os treinos
por alguns minutos, até quando se está remando forte e/ou em voga alta (para
incorporar o hábito em velocidade de corrida). É talvez um dos melhores exercícios
que um remador pode fazer de forma regular no seu treinamento.
3.5 SEGURAR REMO FORA DOS PUNHOS: visa ajuda no aprendizado dos movimentos
corretos vez que exagera os mesmos. Bastante interessante para iniciantes.
3.6 REMAR COM OS PÉS SOLTOS DA PEDALEIRA: visa favorecer uma melhor conexão
durante a puxada e um afastamento e ida à proa tão suave e limpo quanto
possível. Este exercício deve se tornar uma prática de rotina no início da
temporada uma ou duas vezes por semana.
3.7 REMAR SEM FLEXIONAR OS BRAÇOS (BRAÇOS PERMANENTEMENTE ESTENDIDOS): visa desenvolver uma pegada mais rápida e
eliminar problemas causados por não estender totalmente os braços na pegada. É
indicado em particular para o início de temporada.
3.8 REMAR SEM PRESSÃO NA PEGADA E À ¼ DE PRESSÃO NO FINAL: visa aprimorar a conexão da puxada
no final e enfatizar a sensação de acelerar durante a puxada (de forma que ao
final o barco está em sua velocidade mais alta). Serve também para mostrar como
o afastamento pode se tornar fácil se toda a puxada for conectada até o final.
3.9 MOINHO:
visa permitir uma maior percepção da "tirada de peso" das mãos sobre
os cabos na pegada. Não é um exercício para iniciantes, pois é muito fácil
virar o barco caso o remador não tenha domínio suficiente.
3.10 REMAR COM APENAS UMA DAS MÃOS (para remo de ponta): visa diferenciar o papel de cada
uma das mãos no remo de ponta. Ao remar apenas com a mão (e o ombro) de fora o
remador exercita a extração da pá, evidenciando como é necessário empreender
pouco esforço para tal, garantindo uma suave transição de uma remada para a
outra. Ao remar com a mão de dentro, o remador estará exercitando o movimento
do molinete.
3.11 REMAR COM OS OLHOS FECHADOS: visa aprimorar a capacidade do remador de sentir o barco
(como dito anteriormente, o barco é o melhor professor). Neste exercício a
concentração é vital, prestando-se muita atenção ao timing da remada e procurando
minimizar todo e qualquer ruído (em sentido amplo) que atrapalhem o bom
andamento do barco.
4. ADAPTANDO-SE ÀS CONDIÇÕES DE VENTO E DICAS PARA INICIANTES
De
acordo com as condições de vento, pode ser conveniente que a guarnição faça
ajustes em sua técnica, como os que se seguem:
Para
quem se inicia na arte de remar, fazem-se as seguintes observações:
5. BIBLIOGRAFIA